Fagia

O poeta é alguém que come muito
suga o sal da sua viagem
o poeta não tem frescura
todo o mundo o alimenta
come o carinho das flores
também das carnes
chupa os ossos, do ofício
come a dor dos indigentes
e o ruído das pedras
sente indigestões,
sempre digeridas
o poeta não tem etiqueta
come sempre com as mãos
e com aquilo que está dentro dos olhos
e que ainda não nomearam.

O poeta é mal-educado
come e não lava a louça
lhe interessa a substância
o poeta é um teimoso
não bebe dois litros de água por dia
não come de três em três horas
não mede as colheres de sopa ao cozinhar
ele improvisa os temperos
degusta possibilidades
chupa a seiva da palavra
come da fruta
cospe a semente na terra surrada.

O poeta come a surra da terra
e come o enterro dos mouros
e bebe o suco do sangue
e o poeta queima: :o fogo da guerra
come a lambida do cão no calo do homem
chuta as pedras no caminho
ou as toma para colecionar
o poeta come o semblante da doença
come tudo o que pode e não toma remédio
ainda que saiba de sua úlcera
o poeta tem sistema intestinal complexo
nem grosso nem delgado
seu intestino é bruto
cheio de pregas a se resolver.

o poeta atenta à sua careta:
– É azia?
– Poesia.