(sem título)

já não quero mais tenta-las
as palavras não são deusas
que tudo resolvem e tudo nomeiam
e tudo pensam traduzir

de certas coisas não podem dar conta
as palavras não servem para consolo
ou curativo a dores quentes
isso é atributo de outra linguagem,
de léxicos difusos,
que não cabem em um livro de infinitas páginas

quem sabe de consolo é o gesto bem feito
a vitamina bruta, sem aditivos
que alimenta a carne do espírito
é possível pegar os gestos
mesmo quando abstratos.
podemos pegar as palavras?

palavras só servem para os poemas
e para os avisos, que para nada servem
incapazes de olhar o grito singelo das coisas profundas
a morte, por um acaso, se queda em silêncio à toa?
já se viu choro precisar de nomes?
por que acha que o beijo também tampa a boca?

as evidências não mentem
o verbo está fora da gramática:
reside a saliva que se faz suor
e reside o suor que as engula

as palavras não prestam
que fujam todas para os poemas
e que fiquem por lá, submissas ao diálogo

não mais pedirei perdão por algum silêncio
apenas que o aceite
pois ele é denso
e sério.